quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Você já ouviu falar de Bioterrorismo?

Não é estranho ao nosso vocabulário o termo terrorismo, em evidencia na mídia para designar atos violentos praticados por determinado grupo contra governos e população, como o que ocorreu recentemente à revista francesa Charlie Herbo. Porém, pouco se fala dos diversos tipos de terrorismo que possam existir e um em especial vêm chamando a atenção de especialistas da área. Você já ouviu falar de bioterrorismo?
A palavra bioterrorismo é de origem recente, não sendo encontrado seu significado em dicionários mais velhos, produzidos até 2010, ou em enciclopédias clássicas. Isso por que o vocabulário “bioterrorismo” foi incorporado apenas recentemente na linguagem, mais especificamente após o atentado terrorista ocorrido na cidade de Nova Iorque, em 2001, onde ocorreram episódios de disseminação de esporos de antraz (esporo de Bacillus anthracis) através do sistema postal americano, tendo como consequência onze casos de antraz pulmonar, dos quais cinco vieram a óbito.
Figura 1: Foto de Bacillus anthracis, bactéria causadora da doença conhecida como antraz (Fonte:http://www.everystockphoto.com/photo.php?imageId=1665184&searchId=1c96909750f0fb41a6f16acaa76ddd9f&npos=2).
 Qual seria a definição de bioterrorismo? Segundo o Centers for Disease Control and Prevention (CDC/EUA) bioterrorismo é a “disseminação deliberada de bactérias, vírus ou outros microrganismo utilizados para causar doenças ou morte em populações, animais ou plantas”. O principal objetivo deste ato, segundo Radosavljevic, é a disseminação de medo, pânico e insegurança na população, resultando na perda da confiança nos governantes e drásticas perdas econômicas.
Apesar de ser um termo novo, o bioterrorismo é apontado como uma prática já adotada há muito tempo por diferentes povos. Estudos recentes datam do século XV a.C. o primeiro ato de bioterrorismo, com a introdução de cepas de antraz no Egito, causando a morte do próprio faraó e sendo descrita na Bíblia como a quinta praga. No século XVI, com a chegada dos espanhóis ao México houve alta mortalidade da população indígena local após contrair a varíola, doença trazida por eles ao continente americano. Os espanhóis utilizaram-se disso para dizimar a população local, abandonando objetos contaminados ou oferecendo-os como presente aos índios.  
Com o advento do século XX, o desenvolvimento de novas tecnologias e pesquisas com agentes biológicos da peste, antraz, cólera e outros, motivaram alguns países, como Estados Unidos e a então União Soviética, a desenvolveram programas de pesquisa com armas biológicas. Porém, ao perceber o potencial catastrófico que essas armas poderiam causar a população e ao meio ambiente, instituições internações pressionaram os países a assinarem, em 1975, um acordo multilateral na Convenção sobre a Proibição de Armas Biológica (CPAB) impedindo a produção dessa categoria de armas de destruição em massa. Com o tratado assinado era esperado que agentes biológicos não fossem mais usados para fins de guerras e bioterrorismo, porém não foi isso que ocorreu.
No ano de 1979, foi detectado um surto de antraz na cidade de Sverdolovsk, na antiga União Soviética, que foi atribuído inicialmente ao consumo de carne contaminada. Posteriormente, verificou-se que o surto foi resultado da eliminação de esporos de antraz vindo de um acidente ocorrido em uma instalação militar que produzia a bactéria Bacillis anthrancis mesmo com a participação da União Soviética do acordo da CPAB. Um tempo depois, em 1985, uma seita no Oregon (EUA) utilizou a Salmonella Typhimurium na contaminação de bufês de salada, causando gastroenterite em cerca de 750 pessoas.
O ultimo caso registrado de bioterrorismo foi em 2003, na Carolina do Sul (EUA), onde foi encontrado na sala de correspondência do escritório do senador americano Bill Frist a substância tóxica ricina em uma carta endereçada à Casa Branca. No Brasil até o presente momento não houve qualquer registro de possíveis ataques bioterroristas. Mas estamos livres desse mal? Com a globalização mundial devemos sim considerar uma ameaça real e a melhor forma de combate é o aceso a informação, conhecimento e capacitação de profissionais responsáveis para agir de forma rápida a qualquer evento dessa natureza, sendo capazes de dar diagnósticos precisos, permitindo o tratamento das vítimas de forma eficaz. Afinal, o bioterrorismo não é só uma questão militar, mas sim uma questão de saúde pública.

Nathalia Brancalleão
Fale com a pesquisadora: na_brancalleao@hotmail.com
Referências Bibliográficas:
- Cardoso, D. R., & Cardoso, T. A. D. O. (2011). Bioterrorismo: dados de uma história recente de riscos e incertezas. Cien Saude Colet, 16(Supl 1), 821-830.
- Grisolia, C. K. (2013). Bioterrorismo e a facilidade de acesso à biotecnologia e seus insumos. Revista Bioética, 21(2).

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Carnaval das aves do paraíso

    O carnaval é um período de festas, desfiles, cores e performances. Essa é uma época em que mesmo as pessoas mais discretas podem se fantasiar e se comportar de forma mais extravagante e, em alguns casos, tanto homens como mulheres usam as mais diversas estratégias para chamar a atenção. Esse tipo de comportamento é muito comum na natureza, em especial quando chega o momento da reprodução. Um grupo de animais com um comportamento muito interessante são as aves do paraíso, um conjunto composto por 15 gêneros e 39 espécies, que podem mudar de cor e forma para atrair um par para acasalar.

    Existe uma grande variedade de cores e formas de penas e plumas nas aves. Elas podem ser discretas, em tons de marrom ou cinza, ou podem ser coloridas e chamativas. Cada cor ou padrão pode conferir vantagens para a ave e alguns desses padrões têm chamado a atenção de diversos pesquisadores. Por exemplo, estudos mostraram que, em geral, penas pretas são mais resistentes a abrasão do que penas brancas. Esse é um dos motivos pelo qual vemos aves que costumam ter longos voos têm penas pretas nas pontas das asas, onde o atrito com o ar é maior. As penas vermelhas em geral são ricas em carotenóides, que conferem proteção contra bactérias. Padrões de marrom podem ajudar a ave a se camuflar em meio à floresta, o que ajuda a surpreender uma presa ou a se esconder de predadores. Por outro lado, cores muito vibrantes podem indicar a um predador que a ave produz algum tipo de substância que a torna tóxica ou pode indicar um gosto muito ruim.

    É muito comum encontrarmos espécies de aves em que o macho é muito colorido ou tem penas diferentes, enquanto a fêmea é mais discreta, como é o caso das aves do paraíso. Uma explicação muito bem aceita é que, em geral, a fêmea é responsável por escolher o macho com quem vai acasalar, portanto é importante que o macho tenha características que possam ser atraentes.

    As aves do paraíso são um exemplo extremo do esforço do macho para conquistar a fêmea, dentre as estratégias usadas há a mudança de forma, mudança de cor e até danças muito características. O Parotia lawesii tem penas iridescentes (fruta-cor) no peito que podem mudar de azul para amarelo, dependendo do ângulo do qual se observa. Essa mudança abrupta de cor é possível graças ao formato de “boomerang" das bárbulas (filamentos que compõem as penas). Os machos da espécie Lophorina superba são capazes de mudar sua forma original para algo que nem mesmo lembra uma ave (veja a figura abaixo!).



    Outra estratégia para atrair a fêmea é executar coreografias, que em alguns casos são associadas às mudanças de forma e às cores chamativas. Veja um exemplo no vídeo abaixo.

  

    Por que não vemos essa grande variedade de cores, formas e danças na maioria das espécies? Cada espécie evolui de forma diferente e por mecanismos diferentes. As aves do paraíso competem intensamente pelas fêmeas e não tão intensamente por outros recursos como alimento e abrigo. Entenda melhor como isso funciona lendo o box.

Box. Por que as aves do paraíso têm essa grande variedade de cores, formas e danças? 
    Existem vários motivos que se somam e levam cada espécie a evoluir de formas diferentes. As aves do paraíso são poligâmicas e existe uma grande competição entre os machos pelas fêmeas. Então, os machos mais “atraentes" acabam produzindo mais filhotes e cada geração as características que dão alguma vantagem a esses machos (cores, formas e comportamentos) aumentam em frequência na população. Outro fator importante é a grande disponibilidade de alimentos nas ilhas da Nova Guiné e arredores, onde essas aves habitam. A abundância de alimentos permite que todos os indivíduos sejam bem nutridos. Portanto, não existe uma vantagem em ser mais rápido ou se camuflar bem para obter alimento. Isso quer dizer que nesse caso, a seleção natural atua mais intensamente sobre características importantes para reprodução do que sobre as demais características.

    Veja mais fatos curiosos, fotos, vídeos e conheça melhor esse grupo impressionante de aves na página do laboratório de ornitologia da Universidade de Cornell clicando aqui.


Patricia Sanae Sujii
Fale com a autora: sujiips@gmail.com



Para saber mais sobre essas aves lindas e extraordinárias:

[1] http://www.birdsofparadiseproject.org

[2] Irestedt, M., Jønsson, K. A., Fjeldså, J., Christidis, L., & Ericson, P. G. (2009). An unexpectedly long history of sexual selection in birds-of-paradise. BMC evolutionary biology, 9(1), 235.
[3] Stavenga, D. G., Leertouwer, H. L., Marshall, N. J., & Osorio, D. (2010). Dramatic colour changes in a bird of paradise caused by uniquely structured breast feather barbules. Proceedings of the Royal Society B: Biological Sciences, rspb20102293.
[4] Hill, G. E., & McGraw, K. J. (Eds.). (2006). Bird coloration: function and evolution (Vol. 2). Harvard University Press.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Pode um bebê ter duas mães?


 Fonte: Rawlins/Science Faction/¬Getty Images

      Nestas últimas semanas falou-se muito sobre a liberação da fertilização in vitro utilizando o material genético de três pessoas: duas mulheres e um homem. O procedimento foi aprovado pelo Parlamento Britânico, no Reino Unido.
      Esta liberação vinha sendo discutida desde 2008 no país, que ainda têm muitas pessoas contrárias ao procedimento por temerem que esse seja o primeiro passo para a manipulação de características em clínicas de reprodução assistida. Por outro lado, a aprovação pode significar a salvação para mulheres que sofrem de doenças genéticas mitocondriais que sonham em ver seus filhos longe dos problemas que sofrem.
      As mitocôndrias são organelas presente no citoplasma de nossas células, que possuem DNA e que cuja função é fornecer energia para todo o nosso organismo. É ela a organela responsável por catalisar parte do processo que transforma o açúcar em energia utilizável para todas as reações e funções celulares. Por isso problemas ou defeitos no DNA desta organela podem acarretar problemas graves principalmente em órgãos que demandam muita energia, como é o caso do cérebro e coração, além de poderem induzir outros problemas como surdez, diabetes e epilepsia. 
Fonte: DNASolutions
 Nossas mitocôndrias têm origem exclusivamente materna, ao contrário do restante do nosso material genético que tem origem tanto materna quanto paterna. As mitocôndrias que possuímos são idênticas as que estavam presentes no óvulo no momento da fecundação, como pode ser visto na figura ao lado. Por isso, se a mulher possui problemas mitocondriais, estes com certeza estarão presentes também em seus filhos.


    Com a liberação do método de produção de embriões com duas mães, o procedimento seria a inserção do núcleo do óvulo da mãe que possui problemas, em um óvulo sem núcleo de uma mulher saudável e, posteriormente seria realizada a fertilização com o material genético do homem, dando então origem a um embrião. Este possuiria assim, apenas as mitocôndrias da mulher doadora, sendo constituído de mais de 99,8% do material genético dos pais e menos de 0,2% do material genético da doadora do óvulo. Desta forma, suas características físicas como cor dos olhos, tipo sanguíneo, altura, peso entre outros, não teria nenhuma influência genética da “doadora das mitocôndrias”.

    Este projeto ainda precisa ser votado na Câmara de Londres e, se aprovado, é possível que no próximo ano nasçam os primeiros bebes de três pais. E você é contra ou a favor deste tipo de fertilização? Compartilhe seu ponto de vista com gente!!




Jaqueline Almeida
Fale com a pesquisadora: jaqueline.raquel.almeida@usp.br


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Bactéria aumenta tolerância da planta a estresse

          O que me motivou a escrever este texto foi a importância da divulgação científica, pois somente assim a sociedade poderá saber o destino dos impostos que são investidos em pesquisa, valorizando o trabalho e o investimento nas universidades brasileiras.
 No departamento de genética da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da Universidade de São Paulo, a pesquisa com metal pesado (elementos tóxicos em altas concentrações) teve início em meados de 1992. Na ocasião, o Professor Dr. Ricardo Azevedo, responsável pelo laboratório de Genética e Bioquímica de Plantas, observou que o Rio Piracicaba apresentava altas concentrações desses metais, dentre eles o cádmio.
A contaminação do Rio Piracicaba foi resultado de anos de despejo de resíduos industriais que eram descartados lá. Esta água contaminada com metais pesados foi usada na atividade agrícola para irrigação, contaminando o solo da região. Além disso, o uso continuo de fungicidas e herbicidas que continham cádmio na sua composição contribuiu para o agravamento dessa situação.
O cádmio é muito utilizado na produção de pilhas e baterias. Porém, no ambiente, em altas concentrações, este elemento pode causar danos à diferentes organismos, desde bactérias até nós, seres humanos. O cádmio se liga ao DNA e às proteínas dos organismos, acarretando estresse e impedindo com que essas moléculas exerçam sua função.
A CETESB estabelece um limite para concentração de cádmio no solo agrícola de 3 mg.kg-1, de modo que a atividade agrícola é proibida em solos com concentração de cádmio superior à estabelecida. Aliás, ainda que permitida a atividade agrícola em tais solos não seria rentável, pois este elemento afeta o crescimento da planta mesmo em concentrações menores do que o limite estabelecido.
Figura 1 - Planta de café sem cádmio (esquerda) e com altas concentrações de cádmio (direita) (Fotos cedidas pelos pesquisadores Tiago Tezotto e Paula F. Martins).
O grande problema dos metais pesados, incluindo o cádmio (na tabela periódica, situa-se entre o cobre e o chumbo) é o fato de serem elementos que não podem ser degradados como moléculas orgânicas, como um herbicida ou fungicida, em que microrganismos retiram radicais tóxicos, tornando a molécula não tóxica. Assim, esses metais, que são acumulados ao longo do tempo pelo uso continuado de produtos contaminados, devem ser imobilizados ou retirados da área.
Há inúmeras bactérias que colonizam a planta e não causam doença, como a doutoranda Bruna Durante Batista já escreveu neste blog. Durante o  meu doutorado, meu trabalho foi inocular uma bactéria isolada de um solo contaminado com cádmio em plantas de tomate. O que observamos foi que a bactéria aumentou a tolerância da planta na presença do metal pesado, o que nos permitiu plantar em áreas contaminadas ou utilizar esta bactéria em plantas que absorvem uma alta quantidade de metal do solo.
Algumas formas de biorremediar solos contaminados são: a matéria orgânica presente no solo pode se ligar ao metal, tornando-o indisponível, mas o metal continua no ambiente e quando a matéria orgânica for degradada, o cádmio será liberado novamente ao ambiente; o solo pode ser lixiviado (lavando os nutrientes do solo) levando os metais para o lençol freático; alguns pesquisadores europeus já até removeram o solo da área e trataram-no retirando os metais e devolveram o solo para o local original - o problema é que além de ter um alto custo, este método afeta as características físicas e químicas do solo. O método mais barato e mais “verde“ é a fitorremediação, em que plantas com alta tolerância a esses metais absorvem esses elementos do solo. Sendo assim, ao retirar a planta da área, retira-se o metal do solo.
  
Figura 2 - Plantas de tomate crescidas em casa de vegetação, 30 dias após a emergência. As duas primeiras plantas sem a presença da bactéria (chamada de SCMS54) e as duas últimas com inóculo bacteriano. As plantas com cádmio (+Cd) são menores que as plantas sem cádmio (-Cd) (Fonte: artigo publicado na Water, Air and Soil Pollution, 225:1-16, 2014).
         Visando aumentar o processo de fitorremediação, ainda durante o doutorado, tentamos entender como ocorre essa interação entre a bactéria e a planta, e como a bactéria aumenta a tolerância dessa planta. Verificamos que a bactéria é selecionada pelo cádmio, pois ela cresce mais onde há mais cádmio e, com isso, impede a entrada de cádmio na planta, diminuindo o estresse sofrido pela planta na presença do metal, promovendo o crescimento.
Além disso, avaliamos também como alguns genes relacionados ao estresse respondem à presença do cádmio e da bactéria. O resultado foi que a bactéria, mais que o cádmio, ativa esses genes de estresse, induzindo na planta o que é chamado de resistência sistêmica (a planta é “vacinada” contra outros estresses). Com isso, compreendemos, ainda que de forma superficial, como bactérias podem ajudar as plantas a biorremediar solos contaminados. No entanto, a solução final para o problema, recorrente em todo mundo, ainda depende de muito estudo. Por isso é necessário investir em pesquisa nessa área, afinal ainda temos muito solo contaminado com metal pesado!


Manuella N. Dourado
Fale com a pesquisadora: mndourado@gmail.com

Referências
[1] Informações adicionais: http://www.genetica.esalq.usp.br/phytogen (Site do laboratório - Acessado em: 03/02/2015).
[2] DOURADO, M.N.; MARTINS, P.F.; QUECINE, M.C.; PIOTTO, F.A.; SOUZA, L.A.; FRANCO, M.R.; TEZOTTO, T.; AZEVEDO, R.A. (2013) Burkholderia sp. SCMS54 reduces cadmium toxicity and promotes growth in tomato. Annals of Applied Biology, 163, p. 494-507.
[3] DOURADO, M.N.; SOUZA, L.A.; MARTINS, P.F.; PETERS, L.P.; PIOTTO, F.A.; AZEVEDO, R.A. (2014). Burkholderia sp. SCMS54 triggers a global stress defense in tomato enhancing Cadmium tolerance. Water, Air and Soil Pollution, v. 225, p. 1-16.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

A Comunicação no Reino Animal

No meu último texto vimos que a comunicação é um fenômeno muito importante e amplo que compreende desde a comunicação humana (como o nosso blog de divulgação científica) até a comunicação entre as células do nosso corpo e a sinalização entre as bactérias. Mas como ocorre este fenômeno no reino animal? No texto de hoje vamos entender melhor como a comunicação animal é, na verdade, muito mais complexa do que pensamos; e digo isso por experiência própria: a disciplina de Comportamento Animal foi uma das mais ricas que cursei durante minha graduação, que abriu meus olhos para entender como o comportamento – e dentro deste, a comunicação – evoluíram nos animais.
Um dos exemplos mais interessantes na minha opinião é o que ocorre com alguns corvos e a história de como o pesquisador Bernd Heirich descobriu o fato é igualmente fascinante. Heirich sabia que estava diante de um enigma quando observou, durante um inverno, que corvos que se alimentavam de uma carcaça gritavam, atraindo outros corvos para a fonte de alimento. Mas por que os pássaros simplesmente não ficavam em silêncio para garantir o alimento farto, sem ter que dividir com os outros que apareciam? Uma das primeiras hipóteses que Heirich pensou foi que os corvos gritavam para chamar os “parentes” da mesma família que estavam na vizinhança para se alimentarem da carcaça. No entanto, essa hipótese foi rejeitada quando análises de DNA fingerprint  (veja mais sobre essa técnica no box abaixo) mostraram que os corvos que visitavam a carcaça não pertenciam a uma mesma família. Então, após várias observações do que acontecia, Heirich descobriu que, na verdade, os corvos só chamavam aos outros quando eles chegavam em uma carcaça que estava em um território guardado por um casal dessa mesma espécie de pássaro. Os casais defendem agressivamente uma carcaça que esteja em seu território, assim quando corvos que não tem par avistam uma fonte de alimento eles gritam para que outros corvos, também sem par, cheguem e assim vençam juntos as defesas do casal residente, podendo então se alimentar.  Essa comunicação oral é o que os pesquisadores denominam “chamada de recrutamento”. Fantástico, não é mesmo?
http://www.publicdomainpictures.net/view-image.php?image=25540&picture=corvo
DNA fingerprint. Nosso DNA possui sequências específicas de A, T, C e G que são reconhecidas e cortadas por algumas enzimas. Quando “cortamos” o DNA com essas enzimas são produzidos pequenos fragmentos do DNA de vários tamanhos e que podem ser visualizados em um gel. Nesse gel, o DNA aparece como bandas dispostas do maior para o menor tamanho, como se fosse então uma “impressão digital” do DNA no gel (por isso o nome fingerprint). Como cada pessoa tem sequências únicas de A, T, C e G no seu DNA as enzimas “cortam” também de maneira diferente o DNA de cada indivíduo e, por consequência, o fingerprint será diferente de pessoa para pessoa, ou no caso do texto, de animal para animal. Pessoas da mesma família possuem DNA fingerprint semelhante e dessa forma que é possível fazer os testes de paternidade. Quer saber mais? Veja esse vídeo no Youtube: DNA Fingerprinting Technique
Outro caso bem interessante é o do suricato, que vive na África - você provavelmente deve conhecê-lo como o Timão do filme “O Rei Leão”.  Este pequeno mamífero tem uma maneira bem própria de avisar aos seus companheiros da chegada de um predador. Eles se revezam em turnos e sempre alguns dos indivíduos do grupo tem a função de “sentinela”, ou seja, ficam observando se existem predadores por perto. Se eles avistam algum predador em potencial, emitem sinais específicos como um grito, que alertará aos outros animais do grupo do perigo iminente. Algumas pesquisas indicam, inclusive, que o grito emitido é tão específico que informa aos suricatos do grupo qual é o predador e o quão perigosa é a situação.
Com esses exemplos podemos ver como a vocalização é importante para a comunicação entre os animais. Mas será que outros tipos de comunicação, como a visual, também são importantes?
A resposta é sim. Além dos sinais de corte das aves, que são importantes para a escolha dos parceiros, a dança das abelhas é um dos exemplos mais interessantes de comunicação visual que existem no reino animal. Os pesquisadores observaram que quando uma operária volta de um lugar que tem alimento disponível ela dança na colméia, repetidamente, para avisar suas companheiras onde está o alimento. O ângulo e a duração dos movimentos do abdômen da abelha indicam a distância e a direção para onde as outras operárias devem ir para buscar pólen e néctar. Isso mostra como esses insetos cooperam para viverem socialmente.
Somente com esses exemplos já podemos ver o quanto a comunicação nas suas diversas formas é importante para os animais, pois ela tem papel no comportamento e, por consequência, na sobrevivência dos mesmos. A comunicação pode ajudar a encontrar alimento, parceiros e a se esconder de predadores. Nós, humanos, também somos animais e, a primeira vista, pode nos parecer que a comunicação em nossa sociedade é restrita apenas ao que a tecnologia nos proporciona. Mas o que será que nos possibilitou a comunicação falada, por exemplo? Como ela foi importante para nossa sobrevivência na pré-história? Será que nossos “parentes” neandertais também falavam como nós falamos?
Ficou curioso? No próximo texto vamos entender como a comunicação surgiu nos humanos e de que forma ela foi importante para nossa sobrevivência! Quer saber mais sobre o assunto de hoje? Abaixo estão alguns links com mais informações e vídeos interessantes sobre o tema. Sugestões e perguntas são sempre bem vindas!

Até a próxima!

Por: Nathália de Moraes
nathalia.esalq.bio@gmail.com

[1] Townsend, S.W., Rasmussen, M., Clutton-Brock, T., Manser, M.B. (2012). Flexible alarm calling in meerkats: therole of the social environment and predation urgency. Behavioral Ecology, doi: 10.1093/beheco/ars129. Acessado em 20 nov. 2014.
[2] Alcock, J. (2001). Animal Behavior: an evolutionary approach. 7º Ed. Sunderland:MA, Sinauer Associates. 494 p.
[3] Tarpy, D.R. (sem data). The honey bee dance language. Acessado do site da North Carolina State University (NCSU), Departamento de Entomologia. 
[4] At-Bristol Science Centre. (2014). Why do honey bees dance? (vídeo no Youtube). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=2S-ozxpIrdI
[5] Globo Natureza. (2013). Suricatos (vídeo na internet). Disponível em:http://globotv.globo.com/rede-globo/globo-natureza/v/globo-natureza-suricatos/2616884/